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julho 24, 2003


A indústria de cinema em Portugal IV


O que faz um filme ser bom? Não sei! Não tenho qualquer formação neste sector de actividade. Tenho, sim, formação de gestão e aprendi que é útil analisar as razões de insucesso de determinado produto (até mesmo os de mercados diferentes do meu).

Muitos gestores, nas suas empresas, implementam estratégias de Benchmarking (avaliação e adaptação das melhores práticas de empresas de sucesso) sem terem em conta estratégias complementares que costumo designar por “Benchmarking Invertido” - avaliar as piores práticas de modo a não se cometerem os mesmos erros.

O benchmarking pode - e deve - ser aplicado ao mercado de entretenimento e, especificamente, ao cinema. Consequentemente, para a produção cinematográfica, também deve ser considerado o “benchmarking invertido”: aprender com os erros de outros é um bom caminho para se produzirem melhores filmes (algo que os americanos, líderes da indústria, ainda não aprenderam...).

Existe um blog que se dedica a identificar esses maus filmes. Chama-se Cinema Xunga e já tive a honra de nele postar uma crítica ao telefilme português “Debaixo da Cama”. Em anterior post, onde escrevi sobre a necessidade de implementação de estratégias de marketing na produção cinematográfica dirigida a grandes audiências, fiz referência a essa má obra. Contudo, dado que o “Tempestade Cerebral” se dedica exclusivamente ao tema de gestão, aceitei o publicado desafio de Pedro C, autor do referido blog, em enviar o meu texto sobre a “xunguice” do filme produzido por Paulo Branco.

Há três factores que transformam qualquer obra cinematográfica em “xunga”.

O argumento é a base. Falhando este, temos xunga instantânea. Na maioria das vezes, um mau argumento não desenvolve a relação dos personagens (principais e/ou secundários) com o percurso da história - não existem situações que possibilitam, ao realizador e actores, criar uma história pessoal (i.e. uma personalidade), ou seja, personagens credíveis (é o que significa o termo anglo-saxónico “flat storyline”).
Outro grande problema é a previsibilidade da história. Não admira que o principal público-alvo seja a população mais jovem - tendo em conta o reduzido número de filmes por estes já visto, a probabilidade de ocorrer uma sensação de “deja vu” é menor (e maior é a probabilidade de sucesso comercial).
Mesmo sem alterar o “final feliz” (uma das fórmulas mais usadas pela indústria americana), é possível apresentar “surpresas” na forma como a história evolui - opção mal explorada nos filmes “xunga”.

O segundo factor é a realização. O realizador é responsável pela “tradução visual” do argumento. Um bom profissional consegue dirigir a obra de forma a revelar, por vezes de forma subtil, as personalidades de cada personagem e contar a história não só com palavras mas, também, com imagens.
Como líder de um processo criativo, é sua função a eficiente coordenação dos talentos do argumentista, actores, director de fotografia, operadores de câmara, montagem, cenário, iluminação, etc.
Ainda, é habitual os produtores - responsáveis pela gestão do orçamento do projecto - quererem “jogar pelo seguro” e, apesar da vontade contrária do realizador, assumirem más decisões criativas (as denominadas “fórmulas de sucesso”).
A incapacidade do realizador em exigir alterações de identificáveis falhas do argumento, resultante - ou não - do poder decisivo dos produtores, cataliza a “xunguice” do resultado final. Finalmente, não podemos esquecer que existem muitos realizadores com notável falta de qualidade...

Interpretação é o último factor. Maus actores podem “estragar” um filme se os personagens que interpretam não são credíveis (penso que esta é a razão porque, no Matrix original, pouco diálogo é atribuído a Keanu Reeves - a personalidade de Neo é revelada pela sua interacção com outros personagens: Morpheus, Trinity, Oráculo e Agente Smith).
Qualquer actor necessita de saber qual a emoção pretendida para determinada cena e, quando não concorda com o realizador, sugerir alternativas. A “construção de uma personalidade” é, em grande parte, da sua responsabilidade - há certos pormenores sobre os personagens que não podem, nem devem, ser descritos no argumento.
Em cinema, ao contrário de teatro, pequenas expressões corporais do actor têm grande influência na forma como o espectador cria uma ligação emocional com o personagem - principalmente em close-ups. Um actor que apenas “despeja” diálogo está a contribuir para a realização de um “filme xunga”.

PS: é função do produtor mediar entre os interesses dos investidores (e os do público) e a liberdade criativa dos “talentos” - ao contrário dos EUA, em Portugal, tal como no resto da Europa, a maioria dos produtores não exerce qualquer pressão sobre o processo criativo (estratégia que, pela quantidade de “xunga” produzida, também não resulta).