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setembro 21, 2003


Música portuguesa por decreto


No caderno de Economia do semanário Expresso encontrei esta idiotice:

"O PS vai apresentar, na próxima quarta-feira, um projecto de lei que visa introduzir quotas mínimas para a difusão da música portuguesa na rádio. Contactado pelo EXPRESSO, o PSD disse que "por princípio" não se opõe à proposta, apesar de a considerar "desgarrada" e insuficiente." (in "PS quer proteger música portuguesa", Expresso de 20/09/2003)

A referida proposta do PS (ficheiro em formato doc) pode ser resumida nos seguintes excertos:

"Este projecto de lei visa, assim, defender a música portuguesa, valorizando o papel dos autores, compositores, intérpretes e editoras e todos os parceiros envolvidos no sector e dinamizando o mercado musical e artístico nacional."

"A difusão de música ligeira portuguesa, vocal ou instrumental, preencherá um mínimo de 20 a 40% da totalidade da música difundida por serviço de programa."

"O controlo das percentagens difundidas pelos serviços de programas compete ao Instituto da Comunicação Social, em termos a regulamentar pelo Governo."

"A infracção ao disposto na presente lei constitui contra-ordenação punível com coima de 3.000 a 50.000 euros."

Supondo que o projecto-lei do PS - ou qualquer projecto semelhante - é aprovado, poderá a música portuguesa ser beneficiada?
A minha resposta é NÃO!

O gosto musical do consumidor de rádio não pode ser alterado por decreto. Aos ouvintes que não apreciam a qualidade da maioria da música portuguesa, a alternativa será, entre outras, optar por ver televisão (MTV?) ou ouvir os CDs das bandas estrangeiras preferidas (adquiridos de forma legal ou...ilegal - MP3?).
Ao perder "clientes", o mercado radiofónico perderá as receitas de publicidade das empresas interessadas nesse segmento. Desta forma, uma estação de rádio não-pública tentará quebrar a "lei" ou será forçada a "desligar microfones" (falência, para quem não percebeu!!!) sobrevivendo apenas aquelas que, hoje, já têm uma base de clientes fiéis à música portuguesa.

Os músicos portugueses também não conseguirão aumentar as vendas porque não existirá meio eficaz de atingir os potenciais novos clientes (os que preferem música estrangeira deixam de ouvir rádio...). A aplicação do projecto até pode reduzir as vendas de CDs de artistas portugueses - considerem a possibilidade de que quem compra música portuguesa o faz porque não a consegue ouvir na rádio...

Este é um projecto idiota concebido por políticos que, antes demais, deveriam conhecer como o mercado funciona.
Se existe nicho de mercado para a música portuguesa, surgirá, mais cedo ou tarde, uma estação de rádio que aproveite a oportunidade - possivelmente até já existem algumas.
A melhor estratégia para aumentar a quota de mercado da música portuguesa implica que os músicos portugueses produzam música ao gosto da maioria dos consumidores portugueses e não através de intervenção estatal.

Nota: Como contribuinte, não quero ver o dinheiro dos meus impostos ser gasto numa lei que, além de ineficiente, limita a liberdade dos portugueses escolherem a música que querem ouvir na rádio. Mas, pelo seguinte excerto do referido projecto, o mercado radiofónico parece ser apenas o começo (meu bold):

"O estabelecimento de quotas mínimas de difusão, neste ou noutros sectores, deve entender-se como uma medida excepcional, apta a corrigir situações cuja continuidade ponha em causa tão importantes valores culturais e, portanto, adaptável à evolução dessas mesmas situações."

Os "valores culturais" não podem generalizar-se (são diferentes em cada cidadão) e não podem ser definidos (estão em constante mutação).