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janeiro 26, 2004


Saco Azul Bébé


Via Cidadão Livre, um excerto do artigo de Helena Matos no Público (meus bolds):
"Conheço-a há vários anos. é educadora de infância num jardim infantil público de Lisboa. Os pais das muitas crianças que frequentam esta instituição reconhecem-lhe o entusiasmo e a competência. Um destes dias esses pais viram-na chorar. A razão era o mais imprevista que se possa supor: contra ela e contra as outras educadoras desse jardim de infância fora apresentada uma queixa na Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) dando conta da existência dum saco azul. Ou seja, a contribuição voluntária dos pais para as tintas, as plasticinas, as fotografias das festas... vulgarmente designada por mealheiro escolar fora transformada num saco azul. O resto da surpresa veio depois quando fomos informados de que o dito mealheiro é ilegal. Ou seja, se esta educadora se tivesse limitado a cumprir escrupulosamente o seu horário, se não tivesse procurado enriquecer as actividades que organiza, se, como tantas outros professores e educadores, tivesse baixado os ombros e declarado "não me pagam para isso" não teria cometido qualquer ilegalidade. Nem nunca a DREL se teria interrogado sobre o seu desempenho. Como não foi esse o caso vê-se acusada de ter organizado um mealheiro escolar para pagar os materiais que os orçamentos escolares não cobrem. Espantosa administração pública esta que persegue quem organiza um mealheiro escolar para comprar plasticina e folhas de cartolina e não se interroga sobre a multiplicação dos custos dos estádios de futebol!"

Antes de Helena Matos se indignar, deveria ter considerado o princípio moral da questão do "mealheiro escolar". Qual seria a posição desta se a "competente" educadora de infância fosse, por exemplo, presidente da Câmara Municipal de Felgueiras? Trataria semelhante prática com o mesmo laxismo? Claro que não!!!

Não podemos exigir, consoante o montante envolvido, códigos de conduta diferentes. O respeito pelas leis são da responsabilidade de todos nós. Até de educadoras de infância!

As contribuições para as "tintas, plasticinas ou fotografias das festas" não são, normalmente, voluntárias. No ínicio do ano lectivo "exige-se", aos pais, o pagamento de uma pequena verba para este fim - por razões de igualdade, todos pagam. A prática é tão generalizada que ninguém a questiona. Nem mesmo Helena Matos...

Contudo, nos infantários, não há necessidade de "esconder" da Contabilidade a existência do mealheiro escolar. A seguir enumero as "consequências" de um mealheiro legal:
1. as contribuições para o mealheiro são incorporadas na mensalidade dos pais - da qual recebem o respectivo recibo;
2. o IVA do material comprado pelo infantário é dedutível;
3. se o IVA da mensalidade fôr menor que o IVA do material, então o infantário pode "passar" o benefício desse diferencial aos pais das crianças - via mensalidade;
4. se todo o dinheiro do mealheiro fôr gasto então as receitas (porção da mensalidade) são iguais às despesas (material comprado) e não há lugar a qualquer pagamento de impostos sobre lucros;
5. se não foi tudo gasto então o infantário teve lucro e deve ser taxado sobre essa fonte de receita alternativa (esta seria a única vantagem de não "declarar" o mealheiro);
6. se gastou a mais (num infantário público, é pouco provável) então teve prejuízo no "mealheiro" - que servirá para reduzir os impostos sobre os lucros de outras fontes de receita;
7. legalizar o mealheiro não significa a impossibilidade de se continuar a "enriquecer as actividades" organizadas.

Dizer que o "orçamento escolar" não cobre o material não é uma justificação credível. Helena Matos trata as contribuições dos pais para o mealheiro de forma diferente à mensalidade que pagam. A única diferença é a entrega, ou não, do recibo...

Nota: não ponho em causa a honestidade da educadora acusada - trata-se, apenas, de ignorância sobre leis fiscais. Questiono, sim, o texto acusatório de Helena Matos à Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL). Provavelmente a emoção (a educadora é uma conhecida de "vários anos") superou a razão (o "mealheiro escolar" é um saco azul!).