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outubro 04, 2004


Financiamento do "Ensino" Superior


O Luís Aguiar-Conraria publicou no seu "Nas fronteiras da dúvida" uma proposta de financiamento do ensino superior. Começo por destacar a parte do primeiro parágrafo com a qual concordo:
"Quando se paga um serviço é-se mais exigente. O ensino (quase) gratuito diminui a exigência dos estudantes."

No entanto, esta proposta, tal como muitas outras, está ancorada a um pesado dogma: a universalidade do acesso ao ensino superior. Nas palavras do Luís:
"Penso que o mais importante é garantir que todos tenham a oportunidade de estudar no ensino superior."

Mas nem todos têm "a oportunidade de estudar no ensino superior"! Existem inúmeras pessoas que - por incapacidade de aprendizagem, excesso de procura do curso pretendido ou escolha consciente - não ingressam numa instituição de ensino superior e optam por um posto de trabalho. Deverão estes pagar, através dos seus impostos, o curso superior de outros?

Segundo o Luís, porque a economia (como um todo) beneficia da educação superior, deve,sim, haver financiamento público:
"a educação é um bem misto, isto é apresenta características de bem privado e de bem público. é socialmente justo, e economicamente eficiente, que o financiamento seja público e privado."

Por outras palavras, o autor defende, pelo menos em parte, a intervenção do Estado porque existe uma externalidade positiva: numa economia de mercado haveria indivíduos a beneficiar do curso superior de outros sem, contudo, terem suportado quaisquer custos.

Mas, porque vivemos em comunidade, existem milhares de casos de externalidades positivas! Exemplo: quando alguém toma banho está não só a prevenir a ocorrência de infecções bacteriológicas mas, também, a contribuir para a saúde (e conforto!) de quem com ele viaja no comboio. Deve, portanto, o Estado subsidiar o preço da água, banheiras, champôs, sabonetes, desodorizantes e perfumes???

A todos os subsídio-dependentes é necessário, desde já, ter presente um importante facto: o principal (e, por vezes, único) beneficiário de um curso superior é o estudante! Será "socialmente justo" confiscar propriedade privada para benefício de quem, numa economia de mercado, já lucra com a educação?

E será que o Luís, ao usar a expressão "economicamente eficiente", calculou o custo de oportunidade dos impostos cobrados? Não o fez, certamente, porque as necessidades individuais - que deixariam de ser satisfeitas - são impossíveis de quantificar.

De seguida, a proposta do Luís Aguiar-Conraria:
"A propina de cada estudante é paga pelo Governo. O estudante fica com uma dívida para com o Estado que começa a pagar quando se emprega. (...) A questão do risco de estudar é minimizado, pois cada um pagará consoante as suas possibilidades. Não seria necessário cobrar juros, sendo apenas necessário fazer a correcção por causa da inflação.
(...)
Se a dívida não vencer juros, estaremos a financiar mais aqueles que têm menos possibilidades financeiras, pois têm mais tempo para pagar a dívida. Aqui não é uma questão de justiça social, mas tão-só de solidariedade social.
(...)
Uma outra vantagem deste esquema é a sua flexibilidade, permitindo ao Estado apoiar mais, ou não, algumas licenciaturas que considere prioritárias, medicina por exemplo."

O Luís tem razão: "a decisão de estudar é uma decisão de risco". Contudo, qualquer investimento é uma decisão de risco! Financiamento público das propinas não elimina tal risco - apenas o transfere para os que pagam impostos. E, "minimizando" o risco para os alunos, é natural que aumente o número de candidaturas a cursos superiores - aumentando, também, os "maus" investimentos.

Para o Luís, o financiamento das propinas via empréstimos estatais é uma questão de "solidariedade social" para quem tem "menos possibilidades financeiras". Mas, numa economia de mercado, a maior ou menor probabilidade de futuras perdas é um importante indicador no processo de decisão do estudante - independentemente da sua situação financeira.

E, finalmente, das discussões sobre ensino superior omite-se sempre uma importante instituição de "ensino": a Empresa. Em muitos casos, a experiência adquirida na empresa supera os conhecimentos transmitidos por professores que pouco ou nada conhecem da realidade empresarial (apesar de ser este o destino final da maioria dos estudantes). Relativamente à necessidade de adicional conhecimento do trabalhador, esta é, normalmente, colmatada através da frequência de cursos intensivos de formação - pagos (ou não) pela entidade patronal. Aliás, o contínuo processo de aprendizagem é um necessário (mas não suficiente) factor de sucesso empresarial. Para o sector público já não tenho tanta certeza...

Nota adicional:
Nos comentários ao post do Luís levanta-se a questão da possível inscontitucionalidade do financiamento privado da educação superior, baseada na alínea e) do artigo 74° da Constituição da República Portuguesa:
"e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;"

Todos os nove (9) graus de ensino já são gratuitos! É a partir do 10° ano de escolaridade (o designado "ensino secundário") que o estudante começa por escolher o seu futuro profissional. Deste modo, já não estamos a falar de "ensino" (um termo geral) mas, sim, de "formação" (dado a sua especificidade).

Ainda, a lei portuguesa só exige que os alunos permaneçam na escola até ao 9° ano de escolaridade. Tal deveria significar que quem não deseja continuar com os estudos (e prefere procurar emprego) não merece ser penalizado (via impostos) pela sua escolha. Mas também existe vontade política de alargar o prazo ao 12° ano de escolaridade. Há, contudo, um limite: os 18 anos de idade, a partir da qual o aluno torna-se num cidadão de pleno direito, não sendo mais possível exigir a este, contra a sua vontade, a permanência na escola.

Logo, dado que qualquer indivíduo adulto tem a opção de não continuar com os seus estudos, o Estado ao confiscar-lhe riqueza para financiar o curso superior doutros cidadãos está a discriminar contra ele. Inconstitucional é, sim, o financiamento público de cursos superiores!!!