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junho 29, 2003


Fuga das Galinhas


Decidi ver ontem, na SIC Notícias, o programa Expresso da Meia-Noite. Discutia-se a reforma da Administração Pública, iniciativa da qual tenho sérias dúvidas sobre a sua real eficácia (ver post de 26/4). Mas, depois de quase 1 hora de “cacarejar” por parte dos intervenientes (convidados e jornalistas), pouco mais esclarecido fiquei. Contudo, um pensamento permaneceu: a falta de interesse dos portugueses, em relação aos debates televisivos, não se deve apenas ao conteúdo discutido mas, também, à má organização dos jornalistas.

Em qualquer conversa de café, entre amigos com diferentes opiniões, uma discussão de ideias, revela, por vezes, uma mescla de diálogos sobrepostos, próximo do caótico. Assim são as minhas idas à esplanada – hoje não, que choveu. Dois factores mantêm a conversa no bom caminho: A. mais cedo ou mais tarde, impera o respeito pelas opiniões dos outros que nos faz permanecer, por algum tempo, em silêncio (afinal, somos todos amigos) e/ou B. quando vozes se sobrepoêm, a capacidade de identificar, com relativa facilidade, a direccionalidade do som de cada um dos comentários. Poderá ter-se, também, em conta o tempo de reflexão e organização do pensamento – tradução: tempo gasto a beber o resto da cerveja e a pedir outra.

Nos debates televisivos os factores referidos não se aplicam – e muito menos o terceiro (só lhes dão água, nada de cerveja). Por quererem “vencer o debate”, os intervenientes - na maioria das vezes com ideias muito polarizadas - não deixam os seus oponentes expôr opiniões contrárias às suas e, apesar do stereo da minha televisão, quando começam a falar “um por cima do outro”, o nível de percepção desce drasticamente. Semelhante a um galinheiro onde as galinhas concorrem pela atenção do indeciso galo.

É responsabilidade do galo, desculpem, dos jornalistas – através de regras de conduta – mediar as intervenções dos convidados. Trata-se de um debate e não de uma conversa de esplanada – o tempo é escasso e medidas como ligar e desligar os microfones dos infractores, de difícil execução. Deste modo enuncio, a seguir, algumas regras que os profissionais da comunicação social (televisiva) deveriam estabelecer antes de qualquer entrevista/debate:
1. Um debate não é o “Tempo de Antena”. O convidado deve expor a sua opinião de forma resumida – depois de ter visto no ano passado, na SIC Notícias, o debate entre Lula da Silva e José Serra, para a presidência brasileira, penso que dois minutos para cada resposta, é tempo suficiente;
2. O jornalista já tem organizado uma lista de assuntos a discutir. O convidado não deve “desviar” as suas respostas para questões ainda não levantadas – no máximo, pode fazer uma pequena referência à interligação do ponto em debate com outros factores (esperando, depois, pela pergunta para esclarecer tais pontos enumerados);
3. Geralmente, os convidados sabem qual o assunto a ser discutido pelo que podem “adivinhar” o tipo de perguntas que lhes vão fazer. Logo, é possível “ensaiar”, antecipadamente, as respostas, ou seja, fazer os “trabalhos de casa”;
4. As respostas – mesmo que a perguntas iniciadas por um dos oponentes - são dadas aos jornalistas. Eles são, na mesa de debate, os representantes do público. Diálogos não devem ser permitidos –além do conteúdo, deve ter-se, ainda, especial cuidado com a forma da resposta (por exemplo, dizer “o Partido X fez isto e aquilo [dirigindo-se ao jornalista]” em vez de “os senhores fizeram isto e aquilo [dirigindo-se ao convidado do Partido X]”). De forma a evitar diálogos, os jornalistas devem, também, assumir o papel de intermediário (exemplo: “Sr. deputado, o Partido X fez isto e aquilo?”);
5. Os jornalistas devem ser imparciais – a maioria pensa que é mas, em alguns debates, estes parecem falar mais que os convidados. Apesar de terem a sua opinião, o público está interessado em ouvir as opiniões dos convidados e não a dos jornalistas;
6. O jornalista não deve interromper a resposta do convidado com outra pergunta – deve sim, se este estiver a alongar a sua resposta, parar o seu “discurso” (exemplo: “lamento, mas não foi isso que lhe perguntei” ou “o senhor parece estar a ter dificuldades em responder”).
7. Para exigir respostas directas, os jornalistas devem fazer perguntas específicas - exemplo: “Sr. Bettencourt Picanço, a proposta do Governo vai aumentar a produtividade dos funcionários públicos?” em vez de “Sr. Bettencourt Picanço, o que pensa o sindicato que representa da proposta do Governo?”.

São 7 simples regras.... que nunca são cumpridas. Forçar o seu cumprimento é a melhor estratégia para captar mais audiências – especialmente para a RTP que está a apostar nos programas de informação.

PS: é lamentável que, no referido debate do programa “Expresso da Meia-Noite”, o pior “cacarejar” tenha vindo da boca do convidado Telmo Correia, líder parlamentar do CDS-PP (a interromper o raciocínio dos outros convidados), e de Ricardo Costa, director da SIC Notícias (através de comentários desnecessários).