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outubro 27, 2004


Financiamento do "Ensino" Público II


Via Observador, encontro um post de Daniel Carrapa sobre o financiamento do ensino superior. Tive a oportunidade de abordar o tema quando comentei uma proposta do economista Luís Aguiar-Conraria (autor do Nas Fronteiras da Dúvida).

Comentar o post do Daniel acarreta, contudo, uma grande dificuldade: explicar as consequências económicas a um não-economista (arquitecto?). E, não se trata de querer resumir tudo a uma questão "economicista" mas, sim, constatar que a estrutura social de uma Comunidade resulta da acção humana - o objecto de estudo da ciência económica.

Vamos então começar! Daniel Carrapa dixit:
"Porque é que havemos de pagar impostos. Se eu ou os meus filhos não frequentam aquela Universidade, porque é que eu hei-de pagar para ela existir. Se eu nunca vou utilizar aquela ponte, porque hei-de pagar para a construir? Para mim a resposta é simples. Porque queremos viver numa coisa a que possamos chamar de País."

E, no entanto, existem diferenças entre, por exemplo, um país liberal e outro socialista! A maior diferença será o nível de controlo estatal sobre a vida dos cidadãos - exercido via montante de impostos cobrados.

Sugiro um ensaio do economista francês Frederic Bastiat, escrito em 1850:
"When an official spends for his own profit an extra hundred sous, it implies that a tax-payer spends for his profit a hundred sous less. But the expense of the official is seen, because the act is performed, while that of the tax-payer is not seen, because, alas! he is prevented from performing it."

O Daniel facilmente vê o que os impostos possibilitam construir (universidades, pontes, etc) mas não consegue vislumbrar as escolhas que o contribuinte deixa de poder efectuar (exemplo: comprar computador para os filhos). Toda e qualquer decisão de investimento público tem um custo de oportunidade para o contribuinte.

O Daniel continua (meu destaque):
"O que estou a dizer é isento de qualquer ironia. Se iniciarmos uma actividade e tivermos o mérito de a tornar rentável, isso não implica que a razão do sucesso seja inteiramente nossa. A sociedade funciona porque usamos uma estrutura comum. Tornámo-nos assim porque fomos à escola e não tiveram de ser os nossos pais a construí-la. Quando estávamos doentes fomos ao hospital e os nossos pais não o tiveram de o pagar sozinhos. Hoje andamos em estradas pagas por todos, levantamos o telefone e usamos uma rede paga por todos, abrimos a torneira e pagámos colectivamente a construção das infra-estruturas. Somos sucedidos porque vivemos numa sociedade para a qual todos devemos contribuir, colectiva e proporcionalmente às nossas capacidades."

Tiro o telemóvel do bolso e uso uma rede paga pelos clientes da operadora móvel. Ligo a televisão e vejo um programa pago pelos anunciantes desse canal. Entro no carro e chego ao Porto em 3 horas porque uso uma auto-estrada paga com o dinheiro das portagens. Publico um texto no blogosfera e uso uma infra-estrutura paga pelos clientes da ISP (Internet Service Provider). Etc, etc, etc...

A sociedade baseada numa "estrutura comum" era designada por comunista e deixou de funcionar!!! "A sociedade funciona" quando cada indivíduo é livre de seguir os seus interesses. Cito Adam Smith, economista escocês do final do século XVIII:
"It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker, that we expect our dinner, but from their regard to their own interest. We address ourselves, not to their humanity but to their self-love, and never talk to them of our necessities but of their advantages."

Resumindo, a sociedade funciona melhor ou pior dependendo do nível de controlo estatal - quanto mais próximo do comunismo, pior!

Uns parágrafos abaixo, o Daniel escreve:
"E porquê as Universidades? Se os alunos que lá estão é que vão ser beneficiados, porque havemos todos de pagar para eles?
Para mim, a resposta também é simples. Se acreditamos que o ensino universitário é util para o país e que o enriquece, então cabe a todos financiá-lo. E se o país funcionar, esses futuros universitários encontrarão o seu «emprego melhor» e pagarão mais impostos que ajudarão, no seu percurso de vida útil, a enriquecer o futuro do país em que vivem (e a compensar os benefícios que tiveram). Repito, num país que funciona investir no ensino é investir num futuro melhor e mais rico para todos."

Ao olhar apenas para os rendimentos futuros dos universitários é o Daniel Carrapa que parece ter uma perspectiva exclusivamente financeira da questão (diferente da perspectiva económica). A análise do valor financeiro do curso tem a haver com o seu custo, comparado com o futuro salário a obter do "emprego melhor" - quantificável. O valor económico (ou utilidade) do curso só pode ser avaliado pelo aluno, dado que se trata de um benefício pessoal - qualitativo. Um produto ou serviço com valor financeiro negativo pode ser "rentável" quando compensado pela utilidade que um indivíduo obtém do consumo deste. Exemplo: quando vejo um filme não retiro deste qualquer benefício financeiro mas apenas entretenimento e, no entanto, vou todas as semanas ao cinema.

Um Estado socialista retira, via impostos, liberdade de escolha aos seus cidadãos. Se este decide apenas financiar cursos superiores com valor financeiro positivo (ou seja, que, mais tarde, beneficiam a sociedade através do aumento dos impostos cobrados) então está a obrigar os alunos a escolherem um produto que, em economia de mercado, poderia ter, para eles, um valor económico inferior - o aluno é forçado a escolher um curso que considera inferior porque o Estado já o obrigou a pagar por ele, via impostos. Se, contudo, o Estado tenta também financiar cursos com valor financeiro negativo (que não vão contribuir para o aumento do futuro volume de impostos mas fornecem um benefício pessoal a quem neles ingressa) então terá de aumentar os impostos e, consequentemente, reduzir a utilidade dos contribuintes - que passam a financiar o bem-estar de outros. Caro Daniel, será este um "futuro melhor e mais rico para todos"?

O Daniel finaliza:
"(...) se deixarmos de contribuir para a existência de uma sociedade colectiva, o que fica no fim? é injusto pagar impostos? E que tal não pagá-los de todo? A cada um o seu dinheiro, o seu saber, a sua medicina, a sua segurança e a sua vida. E depois talvez acabemos todos por voltar às cavernas."

Se o Daniel conseguiu compreender o que neste post escrevi, facilmente perceberá que a "existência de uma sociedade colectiva" não depende do Estado mas, sim, do que Adam Smith afirmou ser a "mão invisível" de uma economia de mercado: ao defendermos os nossos interesses estamos a contribuir para o bem-estar de outros. Não fui eu o produtor da casa onde vivo, das roupas que visto ou do computador onde escrevo este post. Mas, porque existiam empresários interessados em seguir os seus próprios interesses, hoje o meu bem-estar é exponencialmente superior. Não vivemos em cavernas porque as nossas necessidades são melhor servidas quando existe um mercado para adquirir, por mútuo acordo, os bens que as satisfazem. Uma sociedade colectiva é resultado da acção humana.