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dezembro 11, 2003


Investimentos Públicos: Custos de Oportunidade II


Em post anterior, comentei uma "conversa" entre os blogs Liberdade de Expressão e Irreflexões sobre os custos de oportunidade dos investimentos públicos.
Na altura, defendi que os eleitores deviam, também, avaliar os seus governantes segundo critérios económico-financeiros. Por outras palavras, ter em conta o custo de oportunidade dos investimentos públicos (por exemplo, perguntar: porque foi o dinheiro investido neste projecto e não noutro? é toda a população beneficiada ou só "alguns"? qual seria a redução dos meus impostos se não investissem neste ou em qualquer outro projecto?).

Lembrei-me desse meu post ao visitar o Transmontar, um dos meus destinos favoritos da blogosfera portuguesa (apesar de eu não ser transmontano). E, sem ainda ter respondido ao seu desafio para escrever sobre a reforma administrativa (como prometi!), o Vítor lança-me novo repto: escrever sobre um funicular...
Para quem não sabe, em Lisboa, por exemplo, existem três funiculares: o Elevador da Glória (276m), da Bica (283m) e da Lavra (188m).

Estes são os factos:
Fernando Ruas, presidente da Câmara Municipal de Viseu, decidiu investir na construção de um funicular, na Calçada de Viriato, que ligará o centro histórico da cidade à zona da Feira de S. Mateus - onde está a ser construído o Fórum (um centro comercial desenvolvido pela MDC - Multi Development Corporation). Um percurso de 400 metros!
O principal objectivo desta obra é, a médio prazo, limitar a circulação automóvel no centro histórico.
O custo (estimado) do funicular de Viseu é de 4,8 milhões de euros, sendo 70% (3,36 milhões) financiado pela União Europeia (UE) e os restantes 30% repartidos entre o Estado e a Câmara Municipal (864.000 e 576.000, respectivamente). Para o referido percurso o autarca pretende cobrar, por viagem, 40 a 50 cêntimos.

Agora, imaginem o improvável caso de Fernando Ruas não querer saber sobre o custo de oportunidade do dinheiro investivo pelo Estado e UE... Assim, só tem de se "preocupar" com o retorno dos "seus" 576 mil euros investidos!
A julgar pela data de conclusão da obra (2005) e a data das eleições autárquicas (também 2005???) posso facilmente "adivinhar" qual o retorno pretendido pelo "seu" investimento: votos para o reeleger!!!

Mas, - perguntarão os visienses imunes a tais "artimanhas" - qual o custo de oportunidade desses 576.000 euros? Algumas sugestões:
1. compra de 7 novos autocarros (custo unitário: 75 mil euros): que, em comparação com o funicular, têm uma opção de percursos mais abrangente e menores custos de manutenção (quantos especialistas em funiculares haverá em Portugal?);
2. aquisição de mais 3 autocarros eléctricos (custo unitário: 150 mil euros) a juntar aos dois já encomendados;
3. compra de 38.400 novos livros para as bibliotecas do concelho (custo unitário: 15 euros);
4. compra de 576 novos computadores para as escolas secundárias do concelho (custo unitário: 1.000 euros);
5. entrada livre, no Museu Grão-Vasco, de 384 mil visitantes (taxa de ingresso: 1,5 euros) que, considerando o recorde de visitantes (no ano 2000: 30 mil), representa as receitas de bilheteira da próxima década;
6. oferta de 16.457 livros técnicos aos gestores das empresas do concelho (custo unitário: 35 euros);
7. financiamento de 11.520 horas de cursos de formação aos trabalhadores das empresas do concelho (custo por hora de formação: 50 euros);
8. modernização dos serviços camarários - objectivo: maior qualidade - (investimento distribuído por servidores, computadores, software e formação dos funcionários camarários);
9. redução dos impostos municipais (é pouco, mas seria um bom começo).

Contudo, a "vaidade" de Fernando Ruas impede-o de ter em atenção o custo de oportunidade do dinheiro do Estado e UE. Os 4,224 milhões de euros destas instituições tiveram origem em impostos que, não sendo cobrados, significariam maior riqueza para os seus contribuintes (portugueses, alemães, franceses, ingleses, etc). Maior riqueza implicaria maiores investimentos e/ou maior consumo, o que acabaria por beneficiar as empresas portuguesas e seus trabalhadores (até os do concelho de Viseu!). Por outras palavras, o "capricho" de Ruas é um óptimo exemplo dos investimentos públicos que "atrasam" o desenvolvimento económico de Portugal.

Nota: tal como o presidente da Câmara Municipal de Viseu, a maioria dos cidadãos também não faz a contabilidade do que não é "visível": ignoram os custos de oportunidade dos investimentos públicos. Fernando Ruas espera essa "ignorância" dos visienses, para ser reeleito.... em 2005!!!